07/04/2017

Os 60 anos da maior tragédia aérea de Bagé

Há 60 anos, um domingo, marcaria a cidade de Bagé na história da aviação comercial brasileira. Isso porque uma das maiores tragédias da história da Rainha da Fronteira ocorreu no dia 7 de abril de 1957, quando um acidente com o avião Curtiss C-46 da companhia gaúcha Varig, que faria a rota Sant’Ana do Livramento – Bagé – Porto Alegre, culminou com a morte de todos os ocupantes, 40 pessoas.
O trágico fato, que ainda hoje é lembrado por familiares das vítimas, também traz recordação de quem presenciou o acidente, como é o caso de Portello Nunes Cougo, que trabalhava como carregador no Aeroporto Comandante Kraemmer e, hoje, aos 82 anos, ainda tem viva em sua memória o acidente. Cougo relata que o avião não apresentava nenhum problema aparente, tanto é que, um dia antes do acidente, veio de Porto Alegre, pousou em Bagé e pernoitou em Sant’Ana do Livramento, retornando a Bagé na manhã do dia 7. “Tudo estava normal. O avião veio com alguns passageiros de Sant’Ana do Livramento e outros ingressaram aqui em Bagé. Então, ele decolou por volta das 8h30min e, pouco depois, soltou um jato de fumaça. O radiotelegrafista informou emergência à torre do aeroporto”, explica Cougo.
O acidente
Tratava-se, conforme notícias da época, de um incêndio no compartimento do trem de pouso esquerdo, porém, segundo investigações, o piloto Fernando da Silva Leandro, com 5,6 mil horas de voo, teria acreditado que o incêndio ocorria no motor número um, e decidiu retornar à pista. Consta que a tripulação combateu o fogo utilizando quatro extintores de emergência do motor. “Então a aeronave tentou pousar. Ela chegou a uns 200 metros da pista e perdeu a asa esquerda e foi uns 50 metros para cima, pois ele deu um pico e veio a cair de 'barriga' para cima, explodindo em seguida. No local, abriu uma cratera, o avião partiu-se, ficando quase inteira a cauda”, comenta o funcionário aposentado, que informa que, após a explosão, os funcionários entraram na pista e, com auxílio do Exército, sob comando do coronel Osmar Paixão, tentaram encontrar algum sobrevivente; porém, mesmo com o esforço das equipes de resgate, todos os passageiros e a tripulação acabaram morrendo no acidente.
A provável causa do sinistro foi divulgada, conforme reportagens da época, como sendo o incêndio no compartimento do trem de pouso, com consequente quebra da asa esquerda. Outra possibilidade relatada foi o piloto ter errado ao não avaliar a intensidade do fogo no alojamento do trem de pouso, pensando que, após ter feito o procedimento previsto no “regulamento para os C-46”, o fogo teria sido extinto.
O caso do ouro
Cougo descreve ainda que o acidente trouxe uma tristeza muito grande, tanto para os funcionários do aeroporto quanto para a cidade. “Era um dia de sol, de tempo aberto e, curiosamente, ficou nublado. As pessoas entraram em desespero”, relembra o aposentado que relata situações como a de um passageiro de Sant’Ana do Livramento que perdeu o avião e havia discutido com os funcionários da Varig, em virtude de não ter sido buscado para embarcar na aeronave. “Ele desmaiou quando soube que o avião tinha explodido”, recorda. Ele também comenta sobre o caso de um dos passageiros que transportava ouro.
Conforme reportagens da época, a equipe de resgate encontrou, junto a uma das vítimas, cerca de oito quilos em barras de ouro. Conforme o jornal Folha da Tarde, pelo estado de alguns corpos e os destroços do avião, houve uma confusão de quem trazia o ouro junto ao corpo na aeronave. A reportagem do dia 8 de abril de 1957 destaca que se discutia se o ouro era de um dos passageiros, um argentino - ex-cônsul no Paraguai - ou de outro passageiro identificado por um dos funcionários da Varig, no texto, como “Constelation”. O fato é que, diferente do que se popularizou em histórias em Bagé, o ouro não foi retirado daquele local por ninguém da comunidade, como reitera Cougo. “O ouro vinha de Livramento e o destino era Porto Alegre. Para qual lugar seria levado depois, ninguém sabe. Com o acidente cresceu um boato de que teria sido retirado do local por algumas pessoas, mas o aeroporto estava fechado após o sinistro. O ouro foi recolhido pela equipe da Varig e levado para Porto Alegre”, detalha.
Repercussão nacional
O acidente ganhou as páginas de toda a imprensa nacional e do exterior. A repercussão do sinistro foi divulgada em periódicos como Folha da Noite, Correio do Povo, Estado de São Paulo e, claro, com ampla cobertura do diário local, o extinto Correio do Sul. Muito de sua divulgação estava no fato de que, entre as vítimas, estava o então secretário estadual de Educação, Liberato Salzano Vieira da Cunha. Já para o âmbito bageense, uma das vítimas era Antenor Gonçalves Pereira, na época com 49 anos,com intensa atividade na sociedade local em áreas como a política - como vereador -, e também em ramos como a contabilidade e líder de ações como a possibilidade de Bagé ter o Ensino Superior.

Antenor Gonçalves Pereira
As sobrinhas de Pereira, Elaine Pinto Pereira e Gisela Pereira Nonticuri descrevem que a tragédia abalou a família, que mantém até hoje o culto à memória do tio. "Ele foi um dos líderes de um movimento que possibilitou a criação, em 1953, da Faculdade de Ciências Econômicas, ação primordial para a instalação do Ensino Superior na cidade", destaca Gisela, que não era nascida quando da queda do avião, mas que vive até hoje a lembrança da consternação da família pela perda do tio. “Todos os familiares sempre souberam de sua importância, não só no âmbito da Educação, mas também na política, porque foi vereador com ideais, com honestidade, em um tempo que havia doação e entrega a uma causa política sem interesses financeiros ou pessoais. Todos nós temos muito orgulho de seu legado. É um exemplo”, ressalta Gisela. Já Elaine, com 9 anos na época, lembra que foram avisar o pai dela, irmão de Pereira, sobre o acidente, e que houve grande comoção com a notícia de sua morte. “Ele foi velado em casa e ela ficou lotada de pessoas que vieram se despedir. Hoje, certamente, se Bagé é um polo educacional, muito tem pela sua história e suas batalhas para que a cidade tivesse condições de oferecer Ensino Superior. Além disso, eu tinha uma grande afeição por ele e lembro que era muito próximo a mim e sempre falava que queria que eu estudasse violino no Imba”, recorda Elaine.
 A busca pelo Ensino Superior
As primas ainda afirmam que duas situações ocorreram em relação a Pereira. Uma é de que ele não iria embarcar naquele voo. “Não havia mais lugares vagos, mas uma senhora desistiu e a Varig entrou em contato com ele, informando-o de que tinha uma vaga”, conta Gisela. No avião, Pereira levava consigo documentos exigidos pelo Ministério da Educação para a criação de novos cursos superiores em Bagé. “O estranho é que toda essa papelada ficou sem avarias, mesmo com a explosão do avião. A pasta ficou intacta, foi achada nos destroços e isso possibilitou que o processo fosse levado adiante com ações de pessoas como o doutor Osvaldo Moraes, entre outros”, ressalta Elaine. As primas ainda apresentaram à reportagem aquela que é, supostamente, a última imagem de Gonçalves vivo (disponível no site do Folha do Sul). A fotografia data de 4 de abril de 1957 e é de uma reunião da Associação de Cultura Técnica de Bagé. “Ele tinha um envolvimento muito grande com Bagé. Queria uma cidade melhor. Era um visionário”, encerra Gisela.
 A perda materna
Opinião que é compartilhada pelo diretor do Arquivo Público Municipal Tarcísio Taborda, Cláudio de Leão Lemieszek. O historiador ressalta que Antenor Gonçalves Pereira já tinha ajudado a fundar a Faculdade de Ciências Econômicas, mas que estava em trâmites para que fosse instalada a Universidade de Bagé, com os cursos de Medicina Veterinária, Direito e Odontologia. “Ele foi um baluarte do Ensino Superior de Bagé. Na ocasião, viajaria para o Rio de Janeiro para tratar da abertura da universidade. Ele se dedicava de corpo e alma à causa da Educação e acredito que, se não tivesse ocorrido esse trágico acidente, ele teria conseguido, em pouco tempo, que a faculdade fosse instituída em Bagé”, declara Lemieszek. O diretor, advogado e professor também tem sua história pessoal ligada à tragédia de 7 de abril. É que ele, aos 6 anos de idade, perdeu a mãe, Tereza Lemieszek, no voo. Ele conta que ela viera a Bagé para ajudar a irmã que, no dia 28 de março, havia tido o primeiro filho. “Como já era mãe de três crianças, duas meninas e eu, veio para auxiliar a minha tia nos cuidados do primeiro filho. Ela passou uma semana em Bagé e recordo que, no sábado (na véspera do acidente), ligou para nós e disse que viria para passar a Páscoa. Para nós foi um choque muito grande, porque foi a perda de nossa mãe de uma forma trágica e isso deixa marcas e muita tristeza. Ela tinha apenas 32 anos na época”, comenta Lemieszek que encerra dizendo que, sem dúvida, o dia 7 de abril de 1957 marcou Bagé com um dos maiores acidentes aéreos da história da aviação. Fato que, passadas seis décadas, ainda repercute na Rainha da Fronteira.  

Fonte: http://www.jornalfolhadosul.com.br