A informação de que o Ministério Público de Bagé ajuizou, recentemente, contra o município, ação declaratória de nulidade de lei municipal criada em 25 de setembro do ano passado, a qual denominou de “Afonso Miranda Collares” a Unidade Básica de Saúde (UBS) da Coxilha das Flores, no distrito das Palmas, repercutiu entre os moradores e produtores da localidade.
Com vistas a organizar uma mobilização de repúdio à posição do MP, foi organizada uma reunião, ontem à noite, promovida pela Associação de Produtores e Moradores de Palmas e Joca Tavares, que contou com presença de produtores e dirigentes da Associação e Sindicato Rural de Bagé. O encontro foi motivado após divulgação do processo pelo MP, o qual foi publicado pela FOLHA do SUL na edição de sábado. No texto, o MP destaca que a ação teve origem em uma reclamação do presidente da Associação Quilombola dos Pequenos Produtores Rurais de Palmas, Vanderlei Alves, que compareceu à 1ª Promotoria Especializada de Bagé, requerendo providências para a troca de nome da Unidade Básica de Saúde.
Mas mais do que a ação declaratória contrária à lei, o que repercutiu negativamente entre a comunidade foi a manifestação do MP que, na figura do promotor de Justiça Éverton Luís Resmini Menezes, utilizou informações baseadas no Relatório Social, Histórico e Antropológico da Comunidade Quilombola das Palmas, efetuado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Nele, o estudo faz referência a que “até os dias de hoje são recorrentes os relatos de prestação de serviços na condição de agregados, chacreiros ou posteiros, sem assalariamento ou direitos trabalhistas pela família descendente de Afonso Miranda Collares”. Menezes alegou na ação que, com base nesse estudo, “[...] não se pode admitir que a comunidade quilombola de Bagé seja violentada moralmente com a designação da UBS pelo nome de pessoa ligada à escravatura regional”.
Um dos representantes da entidade, que preferiu não se identificar, reclama que a denominação da UBS não pode ser questionada porque foi aprovada por unanimidade na Câmara de Vereadores de Bagé e sancionada pelo prefeito Dudu Colombo. “Eles fizeram uma ata de reunião com apenas 14 assinaturas de pessoas contrárias à denominação.
Enquanto nós temos um abaixo-assinado de mais de 200 moradores da região que contrariam essa posição da comunidade quilombola que pede a inconstitucionalidade do projeto de lei do vereador Antenor Teixeira (PP)”, declarou o produtor ao reiterar que a proposta cumpriu todas as etapas até ser sancionada. Sobre a manifestação do MP, o integrante da entidade enfatiza que a Associação de Produtores e Moradores das Palmas deverá entrar com uma ação por dano moral pelas declarações feitas. “Ele generalizou toda a família de Afonso Miranda Collares, pois até mesmo esse estudo da UFRGS já está sendo contestado há anos. O Ministério Público não pode ‘emparelhar’ toda uma família, prejudicando a imagem tanto dos descendentes quanto dos próprios produtores e moradores da região. Isso nos causa consternação porque foi uma agressão grave que extrapolou o bom senso e ofendeu a todos”, comentou. Ele também destacou à reportagem que essa foi uma primeira reunião para mobilizar a comunidade. O representante da associação também argumenta que o prédio da unidade básica está em uma área doada à prefeitura e que, antes, no local, já existia a Escola Coxilha das Flores e a unidade ainda não tinha nenhum nome. “A unidade não fica nem em área quilombola para ser contestada dessa forma”, salienta.
Outro morador da localidade, que também preferiu não se identificar à reportagem, ressalta que o "ataque" ao nome de Afonso Miranda Collares é injustificável. “Ele ajudou muitas pessoas aqui nas Palmas. Fez muito trabalho solidário, principalmente na questão da saúde”, argumentou.
Já o produtor Telmo Dias Dutra, de 72 anos, comentou que o fato é muito triste para a região. Dutra enfatizou que nem no tempo das disputas políticas entre republicanos e maragatos não houve clima de inimizade na localidade. "Eu acho um absurdo, porque acredito que aqui nunca houve essa questão de divisão de área para quilombo. Todos conviviam de forma harmoniosa antes dessa questão surgir e posso lhe garantir que, nas Palmas, todo mundo é amigo, não há latifundiário e não temos preconceito algum", declarou o produtor que tem suas origens familiares na localidade.
Também presente na reunião, o presidente da Associação de Produtores de Palmas e Joca Tavares, João Carlos Franco, também demonstrou contrariedade ao fato de o Ministério Público ter ajuizado ação contra o município, bem como ao fato da família Collares ter sido "atingida" pela manifestação do promotor.
Fonte: http://www.jornalfolhadosul.com.br