Ineficiência e corrupção comprometem o setor.
Repasses são crescentes, mas serviços não correspondem. Fruto da revisão
radical — impulsionada pela Constituição de 1988 — por que passaram as
instituições do Brasil após a redemocratização, o Sistema Único de Saúde (SUS)
foi um dos marcos das mudanças. Conceitualmente, trata-se de um dos mais
ambiciosos projetos sociais do mundo: o SUS garante a toda a população
atendimento médico universal, gratuito. Mas, se no papel anunciavase o melhor
dos mundos para quem precisasse recorrer ao sistema público de hospitais,
clínicas, postos e ambulatórios, no mundo real o brasileiro continua a penar em
filas de atendimento, nem sempre há médicos à disposição, sofre em emergências
e amarga longos períodos de espera por uma cirurgia, ou mesmo simples consulta.
É certo que houve melhoras neste quadro, em geral pontuais (sinal de falhas de
planejamento global), mas a Saúde está longe de ter equacionado suas demandas.
Um diagnóstico é recorrente: a saúde pública vai
mal porque seu financiamento seria insuficiente. Ainda que na administração
verbas sempre sejam bem-vindas, este é um argumento que não se sustenta nos
números. Os dutos que irrigam o sistema operam sem retrocessos, por meio de
normais legais que vinculam fatias das receitas dos entes federados ao setor.
Os estados são obrigados a lhe destinar 12% do orçamento, e os municípios, 15%.
Já a União reserva, do que arrecada, um naco nunca inferior ao valor do ano
anterior, mais a variação do PIB. Os gastos com Saúde na Federação são
crescentes. A variação entre 2002 e 2012 foi de 131,6% (estados) e 103,2%
(municípios). O índice da União foi menor — 37,9% —, mas ainda assim nada
desprezível, pois são cifras deflacionadas, reais. No cômputo geral, em 2002 o
país destinava R$ 130,5 bilhões para o setor; em 2012, o bolo cresceu para R$
234,1 bilhões.
Mesmo assim, o que o poder público produz bastante
não são melhorias na sua rede, mas impropriedades: por exemplo, dentro desse
período de curva crescente nos repasses para o sistema, reduziuse o total de
leitos para internação no SUS. Em 2007, as vagas disponíveis chegavam a
344.200; em 2013, o número caiu para 321.400 (ao passo que, fora do SUS, houve
um aumento de 114.800 em 2007 para 130.600 em 2013). Ou seja, no período, o SUS
perdeu 6,6% da capacidade de internação, na contramão do aumento de verbas,
enquanto no restante da rede houve um crescimento de 13,8%.
Essa incongruência evidencia que o diagnóstico mais
agudo da crise da Saúde não se relaciona a verbas insuficientes, mas a um
problema que se repete em outros setores da administração pública — a má
gestão. Assim como na Educação, onde repasses crescentes de verbas não
correspondem a melhores aproveitamentos no ensino (especialmente no ciclo
médio), também na rede pública de atendimento médico orçamentos em alta não se
traduzem em melhores serviços. Há algo de errado nessa equação. Outra questão
grave são os ralos do setor, principalmente os abastecidos pela corrupção e/ou
falta de fiscalização adequada na aplicação dos recursos. Por falta de
condições operacionais, a Controladoria Geral da União só consegue auditar 2,5%
da verba repassada a estados e municípios — e isso, debaixo de resistências
dentro do Ministério da Saúde, imagine-se em nome de que interesses. Mesmo assim,
a fiscalização detecta sinais de desvio de dinheiro público para bolsos
privados.
São evidências de que na Saúde repetem-se os
deletérios indicadores, comuns à administração pública, de que problemas de
gestão, aliados à corrupção, se sobrepõem a questões de verbas. Junte-se a isso
o fato de que há estados onde a experiência das Organizações Sociais, e
similares, transformou-se em alternativa bem-sucedida para melhorar os serviços
prestados à população. Na administração pública direta, autárquica, não se
cobram metas e o corporativismo se antepõe ao interesse da sociedade, o que não
ocorre no sistema de OSs. São questões que precisam ser analisadas a fundo, com
seriedade, pelos governos que saírem das urnas no fim de semana.
Fonte: Jornal O Globo