26/10/2015

O MEDO QUE CALA!

Aos 13 anos, fui violentada. Mas só depois dos 30 entendi que a culpa não era minha. Muitas mulheres passam pelo mesmo problema. Mas já é hora de mudar esse pensamento. A culpa de uma violência sexual é sempre da mesma pessoa: do estuprador. (Relato da escritora Clara Averbuck)


A escritora Clara Averbuck contou para o site “M Mulher” que tinha 13 anos quando foi abusada sexualmente. Na entrevista, publicada em agosto de 2014, ela disse que foi estuprada por um grupo de rapazes que estava em uma festinha. Foi a primeira festa dela. As primeiras doses de uísque. A “primeira” relação sexual, inesquecível, por causa da violência.

“A história foi barra, sofri no colégio com uma fama que não merecia. Sofri quieta. Só contei aos meus pais anos mais tarde, com medo de que eles me culpassem e me impedissem de sair, pois achava que a culpa era minha. A culpa era minha por ter bebido. A culpa era minha por estar no meio de gente mais velha. A culpa era minha, minha, minha. Só anos depois descobri que não era. E resolvi falar a respeito quando vi que isso continua acontecendo igualzinho, com o agravante de que agora existem a internet e as redes sociais. Dessa forma, o estupro nunca acaba. Sim, cada vez que um vídeo de estupro se espalha, a violência se repete. Cada vez que um desses criminosos apela para argumentos do tipo – o que ele poderia fazer se a mulher estava pedindo? – é como se o estupro acontecesse de novo e continuasse indefinidamente”, argumentou a escritora.

Em São Gabriel, no início desta semana, a notícia da prisão de um homem de 75 anos acusado de estuprar uma menina de 13 anos ganhou destaque nas redes sociais. O idoso foi flagrado pela mãe da menina, no quarto da vítima, levantando a calça e colocando o cinto. Na cama, a menina estava coberta por um edredom vestindo apenas uma camiseta. O acusado foi identificado como sendo Oly Peres de Almeida. Ele foi preso em flagrante e com a prisão dele, revelou-se que os abusos aconteciam há três anos. O primeiro estupro aconteceu quando a criança tinha apenas 10 anos. Exames comprovaram que houve ato sexual no dia da prisão.

A menina disse que teve medo de contar para os pais e ser castigada. Na teoria, a vítima tinha medo de ser acusada. Na prática, quando o caso veio à tona, foi o que aconteceu.

Na internet, uma parcela das pessoas tentou responsabilizar a vítima pelos abusos. A maioria dos comentários são de mulheres.

“Se por três anos ela fazia isso é porque gostava, não quero defender ninguém, mas a menina passava mais na casa dele do que na dela, desde pequena, eu conheço e via bem. E a mãe nem dava bola, e só deu tudo isso porque a mãe dela viu, e se a mãe dela não tivesse visto ela ia continuar fazendo, não é? Pra mim nunca foi flor que se cheire, complicado!” – escreveu uma jovem que alega morar próxima a residência da menina.

Os comentários geraram uma nota de repúdio do Grupo Feminista de São Gabriel, formado durante o 1º ESABE – Estudos Abertos: Política, Sociedade e Economia, projeto de estudos abertos voltado para a comunidade gabrielense, organizado pela Unipampa. O grupo reúne mulheres de 18 e 25 anos.

Leia trechos da nota: “O Grupo feminista de São Gabriel vem por meio desse, repudiar veementemente os comentários ofensivos as vítimas de estupro, principalmente aos casos ocorridos em São Gabriel, visto que esse tipo de discurso reforça a naturalização do estupro e culpabilização da vítima.

Comentários preconcebidos insultando o comportamento, a índole ou a moral de quem sofre o abuso prejudicam, não somente a vítima em questão, causando constrangimento, humilhação, culpa e vergonha, mas inúmeras outras pessoas que estejam sofrendo algum tipo de abuso sexual ou psicológico. Tais comentários apenas reforçam a premissa equivocada de que os homens não conseguiriam controlar seus apetites sexuais e as mulheres seriam responsáveis por provocá-los. Além disso, são extremamente nocivos à sociedade, pois podem gerar uma cultura de alienação, onde mais mulheres serão silenciadas ao sofrer algum tipo de abuso”.

“Também não podemos naturalizar a atitude do estuprador. O estupro de vulnerável é um ato repugnante, onde a culpa é 100% do estuprador, não havendo justificativa para tal ato.

Por fim, salientamos que comentários na internet que manifestem caráter ofensivo, intolerante que ferem a honra e a dignidade de outra pessoa podem ser denunciados como violação dos direitos humanos”.

A escritora vê a situação como um problema cultural. “Vamos chamar as coisas pelos nomes que elas têm. Estupro. Não é se aproveitar; é estupro mesmo. Estupro não é apenas ser atacada por um homem estranho, saído das sombras, no caminho de volta para casa. É todo tipo de violência sexual contra a mulher. Os homens precisam aprender a não estuprar, pois os números mostram que esse é um problema cultural, e não uma doença isolada praticada por alguns poucos monstros”.

Em junho deste ano, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou proposta que aumenta a pena mínima de oito para 10 anos de reclusão nos casos de estupro de menores de 14 anos ou de pessoas doentes ou com deficiência física, mental ou intelectual – a pena máxima é mantida em 15 anos. A proposta foi encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: https://n1noticia.wordpress.com/